
Filmadas em ritmo industrial, as produções da Marvel, com algumas exceções, carecem de identidade própria e passam por cima de qualquer traço estilístico de seus diretores, ainda que vários deles tenham sido cooptados do chamado cinema autoral. Enquanto o público em geral não está nem aí para isso e quer apenas ver um desfile de heróis na telona, é recompensante saber que existe sim originalidade estética no Universo Marvel, como prova o delicioso “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”.
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Antes de mais nada, é preciso dizer que o filme é, para o bem e para o mal, um produto Marvel, inserido em um universo em expansão cada vez mais complexo e cheio de ramificações, emulando, com certo sucesso, a própria dinâmica das HQs. “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”, por exemplo, é uma espécie de continuação direta da minissérie “WandaVision” e reexplora elementos já presentes na minissérie de animação “What If” e no último “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa”.

Essa dependência entre produtos é, inclusive, o principal problema de “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”, com uma trama que parece chupada de filmes e séries anteriores. Entre um passado quase que obrigatório para que as tramas façam sentido e as várias teorias sobre o futuro dos personagens em próximas produções, parece que os filmes da Marvel nunca são sobre o agora ou apenas focados em si mesmos. E, convenhamos, essa dinâmica tem se tornado exaustiva.
Tirando esse “pequeno” porém, aliado a uma certa preguiça no mote do longa, algo que já parecia resolvido no final da minissérie “WandaVision”, “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” funciona que é uma beleza. E o culpado se chama Sam Raimi. Responsável pela primeira adaptação do Homem-Aranha para o cinema com a trilogia estrelada por Tobey Maguire, o cineasta retorna às histórias de super-herói pisando no acelerador e entregando a produção mais alucinada, cafona e divertida da Marvel.
Quase dez anos depois do burocrático “Oz: Mágico e Poderoso”, Sam Raimi pega o orçamento de milhões e transforma uma das produções Marvel quase em um filme de terror, com direito a livros mágicos, demônios, zumbis e espíritos do mal. Dono de uma estética bem particular, com enquadramentos tortos e movimentos rápidos de câmera, o diretor insere ecos de longas como “A Morte do Demônio” e “Arraste-me para o Inferno”, revisitando aqui sua filmografia em uma roupagem multimiolionária.

Mesmo que a trama siga a linha mais do mesmo da Marvel, com aparições para agradar aos fãs e diálogos edificantes que soam vergonhosos, Raimi injeta um frescor quase inédito às produções do estúdio de Stan Lee/Kevin Feige, fugindo de um tom solene comum a esses filmes e que praticamente naufragou o recente “Eternos”. Com corpos partidos ao meio, uma direção de arte de filme de terror e uma encenação para lá de brega, o diretor usa histeria e humor a favor do longa, sem esquecer que os fãs também querem um espetáculo visual (as produções do Doutor Estranho seguem as mais bonitas do universo Marvel).
Se nessa altura do campeonato não há mais como voltar atrás e esquecer que a estratégia (financeiramente muito bem-sucedida) da Marvel é regurgitar seus personagens à exaustão, os filmes do estúdio precisam mais do que nunca de diretores como Saim Raimi e Taika Waititi (de “Thor: Ragnarok” e do próximo “Thor: Amor e Trovão”. Só eles são capazes de nos salvar da mesmice. Eles e Elizabeth Olsen, que empresta ainda mais complexidade à personagem de Wanda e é dona aqui de uma das melhores interpretações do universo Marvel.
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