O circuitão de cinema brasileiro nunca seguiu muito a lógica do resto do cinema mundial e, devido a um núnero reduzido de salas (pouco mais de 2 mil para 200 milhões de habitantes), muita coisa acaba não estreando na tela grande e ficando restrita a festivais e mostras (ou nem isso). Uma série de fatores contribui para isso: bilheteria baixa no exterior, atores e diretores desconhecidos, temáticas que não interessam muito o mercado nacional e por aí vai. O surgimento do Netflix e de outras plataformas digitais não ajuda, já que existe uma tendência a se ver menos coisa nas salas de cinema e mais produções no conforto e comodismo da sala de casa. Daí bons filmes perdem a chance de causar mais impacto e chamar mais atenção do público com a estreia no circuito comercial.
Um Brinde À Amizade (2013) – Drinking Buddies foi vendido como um meio termo entre uma comédia e um romance, mas não é nenhuma coisa nem outra. O filme foca a lente na relacionamento entre dois amigos (Kate e Luke) que dividem a vida entre o trabalho em uma fábrica de cerveja, seus respectivos namorados e muitos e muitos drinks. A química entre Olivia Wilde e Jake Johnson é perfeita, e o diretor Joe Swanberg aposta em uma representação bem econômica e realista. O resultado é um filme leve, divertido, bastante simpático, um tanto melancólico e que se sustenta basicamente em cima da curiosidade de sabermos se Kate e Luke vão realmente se pegar.
Tom na Fazenda (2013) – Depois do péssimo e pretensioso “Laurence Anyways”, o queridinho Xavier Dolan baixa a bola e entrega um trabalho bem diferente dos seus anteriores. Menos afetado, sem uma profusão de câmeras lentas e/ou musica pop, o diretor e ator cria um exercício de tensão que beira à explosão sexual. A química entre o ator/diretor e Pierre-Yves Cardinal é latente, e a trama gira em torno de convenções e obsessões. Mesmo sem apostar tanto no estilo, Dolan cria um filme cheio de imagens icônicas e assustadores. A produção foi exibida na Mostra de Cinema de São Paulo, mas nunca viu a luz da tela grande no grande circuito, ao contrário das outras obras do cineasta.
Temporário 12 (2013) – Elogiadíssimo nos EUA, o longa segue muito bem o caminho traçado pelo cinema independente estadudinense, com uma encenação mais despojada e o foco na atuação dos atores. A jovem atriz Brie Larson é a grande estrela desse filme do diretor Destin Daniel Cretton, que mostra o dia a dia de um lar temporário para crianças e adolescentes problemáticos. O olhar de Cretton é terno, e o cineasta explora com delicadeza sem pesar mão o drama dos jovens (abandono, suicídio, transtornos psicológicos, abuso sexual).
Expresso do Amanhã (2013/2014) – Certeza que essa é uma das metáforas mais lindas (e violentas) que o cinema já fez sobre política e religião. Infelizmente, o novo trabalho de Joon-ho Bong ficou na berlinda da distribuição (graças a falta de um consenso sobre o corte final) e foi praticamente despejado nos cinemas mundiais sem grande alarde. No Brasil, entre mudanças de data, acabou nunca entrando em cartaz. Uma pena. Bong (“O Hospedeiro) escolhe um elenco diversificado (Chris Evans, Ed Harris, Tilda Swinton…) e capricha na fotografia e, principalmente, na direção de arte para contar o drama dos últimos sobreviventes de uma Terra congelada que vivem nos vagões de um super trem. A questão principal do longa é a luta de classes e a estratificação social. Bong perde um pouco o controle no final, mas “Expresso do Amanhã” é uma dessas ficções científicas raras de se ver.
Upstream Color (2013) – Depois de estrear com o estranhíssimo “Primer”, Shane Carruth apura seu estilo nesse belo “Upstream Color”. Carruth filma seu novo trabalho como se fosse um Terrence Malick, apostando em uma condução quase abstrata da narrativa. Para Carruth, as imagens e as sensações causadas pelo cinema são mais importantes do que os possíveis sentidos que ele pode despertar. Dessa forma, o cineasta se preocupa menos em explicar o que está acontecendo e se concentra na construção de uma encenação climática e vigorosa. E “Upstream Color” é um filme lindo de se ver. Misturando com propriedade ficção científica, drama existencial e romance, a edição e a fotografia trabalham juntas para que o longa seja assustador e devastador em uma estranheza. Passou no Indie Fest e só.