À primeira vista, “Wild” e “Tracks” são filmes bem parecidos: ambos são sobre mulheres que, por razões diferentes, decidem fazer trilhas sozinhas. Os dois também são inspirados em histórias reais que viraram livros e terminam apresentando fotos das personagens reais. Mas, mesmo tendo propostas semelhantes e reforçando a ideia de que o percurso, muitas vezes, é mais importante do que o destino, esses dois “foot movies” são produções bem distintas. “Wild” (traduzido como “Livre”) segue uma linha mais convencional e hollywoodiana, enquanto “Tracks” (ainda sem tradução para o português) é mais contemplativo e melancólico.
Em Wild, Reese Witherspoon vive uma mulher em conflito consigo mesma que decide fazer uma trilha chamada Pacific Crest, com mais de mil milhas de distância e que dura, em média, três meses. Dirigido por Jean-Marc Vallée (“Clube de Compras Dallas), o longa é redondinho e consegue sobreviver mesmo com o tom um tanto auto-ajuda do roteiro (de Nick Hornby) e da direção que pende para o edificante. Recheado de flashbacks que mostram as razões da moça ter decidido encarar o desafio da trilha, “Wild” é daquele tipo de produção fácil de assistir. A edição e a estrutura narrativa são eficientes e evitam que o filme vire um grande tédio, um mérito se pensarmos que grande parte da trama gira em torno de uma pessoa.
A atuação de Reese Whiterspoon também contribui para essa sensação. Boa atriz, ainda que sua filmografia deponha contra ela, Reese preenche a tela com uma interpretação carismática e que ajuda o espectador a superar as partes clichês da obra (o uso demasiado de flashbacks, a tal da raposa que aparece aqui e acolá, os dizeres que marcam a chegada às novas paradas etc). O uso interessante da narração em off, pouco presente e em uma chave na qual a personagem parece estar falando com ela mesmo e não contanto uma história para outros, faz com que “Wild” siga o tom de superação de um “127 Horas”, por exemplo.
Tracks segue outra direção. Mesmo com flashbacks (bem menos em comparação a “Wild”) e com uma narração em off mais convencional, o filme de John Curran (“O Despertar de uma Paixão”) parece menos interessado nas ações que movem a personagem e em sua redenção. Adotando um olhar mais contemplativo e um ritmo mais lento, o longa de Curran é mais delicado e honesto, e a personagem de Mia Wasikoska (em uma atuação comovente), mais espontânea. Com apenas quatro camelos e um cachorro, Robyn decide atravessar um deserto na Austrália e passa seis meses como andarilha, encontrando-se de tempos em tempos com um repórter fotográfico que registra sua viagem para National Geographic (Adam Driver).
Robyn não é muito chegada a pessoas e deixa isso claro ao fotógrafo desde o princípio. Ela também não busca a superação ou mesmo a redenção em relação a algo de seu passado. A escolha de Curran de não se prender a motivos é acertada, e o filme ganha em originalidade ao apenas sugerir o que move Robyn, retratada como um aventureira (que, assim como a Cheryl, de “Wild”, tenho um histórico trágico com a mãe).
“Tracks” é ainda lindo de se ver. Ao apostar em uma narrativa mais visual, o longa tem nas imagens uma de sua forças. Ora adotando planos mais abertos e que mostram a pequenez da personagem diante da grandiosidade do deserto, ora centrando a câmera nas expressões de Robyn, Curran investe na melancolia e entrega um filme que vai conquistando aos poucos e parece bem menos “fabricado” do que “Wild”. Mas ambos têm seu valor ao mostrar como somos afetados ou afetamos pessoas que nem ao menos fazem parte de nossas vidas.