Existe toda uma tradição de filmes sobre gastronomia. Não são poucos os longas que usam a comida como temática e/ou pano de fundo e fazem um paralelo entre temperos, molhos, sabores e a vida. Dessa linhagem destacam-se produções tão díspares como “A Festa de Babette”, “Como Água para Chocolate” e a animação “Ratatouille”.
Coincidência ou não, vi duas produções recentes que passeiam por aromas e sabores e estão atualmente em cartaz: “A 100 Passos de um Sonho” e “Chef”. Além de explorarem o universo da culinária, ambos os filmes têm outros aspectos em comum: apostam em uma abordagem étnica da comida, sendo a primeira sobre a culinária indiana e a segunda o sabor da comida cubana, e possuem uma lição de moral que versa sobre a importância da família.
A 100 Passos de um Sonho lembra as produções da Miramax do final dos anos 1990 e início dos anos 2000: tem pedigree literário, traz uma temática edificante e pelo menos um nome importante no elenco (Helen Mirren dando dignidade a um papel bem aquém do seu talento). O filme é ainda dirigido por Lasse Hallstrom, cineasta responsável pelos dois mais bem sucedidos exemplos dessa fórmula de fazer filme da antiga Miramax: “Regras da Vida” e “Chocolate”.
Hallstrom possui talento para o melodrama e consegue balancear tragédia, comédia, romance, lágrimas e sorrisos . Aqui, o diretor não sente a menor vergonha em apelar para a emoção em um filme bonito, bem realizado e que traz uma mensagem bem óbvia e clichê, mas é contado de forma bastante envolvente. A trama é bem simples: uma família indiana se estabelece em uma vila no interior da França e começa uma rivalidade com a dona do chique restaurante que funciona a 100 passos do novo estabelecimento da família.
Sem grandes pretensões, Hallstrom atiça o paladar do público e filma com vontade cenas que apuram os sentidos do público. Seu único pecado é se alongar em algumas subtramas que pouco contribuem para o fluxo da narrativa. Mas “A 100 Passos de um Sonho” encanta quando funciona.
Chef também sofre do mesmo mal de ser longo demais. Apesar da parte introdutória que estabelece a trama funcionar muito bem, o novo filme de Jon Favreau (diretor dos dois primeiros “Homem de Ferro”) desperdiça quase metade do seu tempo até chegar onde quer. Favreau narra de forma leve e envolvente a história de um chef (interpretado por ele mesmo) que, graças a uma briga via Twitter, perde seu emprego e precisa recomeçar. Em busca de seu sonho, ele abandona as cozinhas de restaurantes e se aventura em um trailer de comida, tudo em nome da sua independência e paixão por preparar comida.
Sem grandes conflitos, o diretor se divide entre belas cenas que dissecam o preparo de alguns pratos (nunca tive tanta vontade de comer um sanduíche de queijo quanto o feito no filme) e a reaproximação entre um pai que trabalha demais e seu filho que demanda mais atenção e carinho. É esse equilíbrio entre uma trama e outra que minimiza a longa duração da produção. Favreau e o ótimo ator-mirim que interpreta seu filho possuem química, e a relação entre os dois é bem retratada e foge dos clichês mais óbvios. Já a edição é ágil e a fotografia deixa o espectador com água na boca ao potencializar as cores e texturas dos alimentos que estão sendo preparados.
Para quem gosta de filmes com grande elenco, “Chef” ainda traz como bônus a participação de nomes conhecidos em pequenos papéis, deixando claro que essa é a produção feita entre amigos. Dustin Hoffman, Scarlett Johansson, Oliver Platt, Sofía Vergara e Robert Downey Jr (sendo esse o único que destoca do tom mais intimista do longa) aparecem aqui e ali para dar ao filme certo charme.
Nem “Chef” e “A 100 Passos de um Sonho” são grandes filmes, mas ambos são corretos, divertem e dão continuidade a um rico menu de produções que une cinema e gastronomia. Se os dois longas não chegam a ser os melhores exemplos dessa linhagem, pelo menos estão longe de fazer feio aos clássicos do subgênero.