O filão dos filmes baseados em histórias de super-heróis chegou a uma encruzilhada. A cada novo lançamento, a expectativa em cima dos longas é maior. A culpa é do marketing massivo dos estúdios (teasers, teasers posters, posters de personagens, trailers, fotos e mais fotos, comerciais, entrevistas em todos os veículos de comunicação e muito, muito material de divulgação meses e até anos antes do real lançamento; tudo isso já torna o filme em si familiar demais antes mesmo das pessoas realmente o assistirem). A culpa é também das próprias produções, cada vez mais barulhentas, cheias de efeitos e de cenas de ação esticadas ao infinito.
Se de um lado temos a Marvel tentando transportar a mitologia dos quadrinhos para alguns filmes por meio da construção de um universo audiovisual, de outros temos a DC seguindo seus passos e mais alguns estúdios desvirtuando tudo. São sequências e mais sequências, reboots e mais reboots (o que fizeram com o Homem-Aranha foi um crime; o novo filme do Quarteto Fantástico parece seguir caminho semelhante – o off do primeiro trailer é chupado na cara dura do trailer do “Interestelar”).
Entre mortes e feridos, temos sim alguns bons filme (o segundo “Capitão América” é uma aula de como fazer um longa de super-herói com tudo no lugar), mas muita coisa nada a ver é lançada. Personagens secundários ganham tratamento de rei (um filme do “Homem-Formiga”, really?), e a meta é uma só: ganhar dinheiro, muito dinheiro, seja com a produção em si, seja com produtos vinculados a marcas cada vez mais valiosas.
Em meia a tudo isso, temos o cinema propriamente dito, sofrendo de uma overdose de produções; e os geeks fazendo barulho e ajudando a criar mitologias e monstros culturais que sobrevivem muito mais pelo consumo do que como paixão.
Vingadores: Era de Ultron é o mais novo mastodonte nesse maquinário. É um filme bom, com produção caprichada, efeitos de primeira linha e personagens já conhecidos do público. Mas é também uma longa sequência de ação cansativa, com uma história mal desenvolvida e respiros chatos que funcionam muito mais como engrenagens para mover o universo Marvel adiante do que elementos de um roteiro coeso (a despedida de alguns personagens do grupo é super forçada; e o romance entre a Viúva Negra e o Hulk surge do nada, por exemplo).
O roteiro é o principal problema desse novo “Vingadores”. Ao contrário do primeiro filme, que teve tempo de construir os personagens ao longo dos filmes-solo dos heróis, aqui a produção já começa a mil jogando vários elementos sem explicação na história.
Até mesmo os personagens mais legais do filme, a Feiticeira Escarlate e o Mercúrio (que de vilões viram mocinhos em um piscar de olhos) “caem” no longa sem a menor explicação (vi todos os filmes da Marvel e não lembro em nenhum momento de terem citado os tais aprimorados; e os personagens falam como se eles já pertencessem ao universo cinematográfico desde sempre). A criação e o desenvolvimento do vilão Ultron também são rápidos e sem propósito (“Transcendente” e “Chappie” já destruíram todos os conceitos legais de inteligência artificial).
Mas não há muito tempo para se pensar nisso, já que o filme corre entre cenas de ação e destruição em massa filmadas de forma limpinha para não assustar ninguém (o primeiro Vingadores já sofria com isso; e a série “Demolidor”, do Netflix, dá de lavada no filme em termos de fidelidade e violência; e me desculpem os geeks que querem justificar dizendo que violência não cabe a um grupo colorido como os Vingadores, mas só quem ganha aqui é a própria indústria que pode lucrar mais com uma censura mais branda por falta de mortes mais gráficas e sangue).
Óbvio que o filme tem seus momentos (as alucinações criadas pela Feiticeira Escarlate são muito bem filmadas e contam com uma ponta de Julie Delpy; o surgimento do Visão é muito bem amarrado e é o melhor momento do longa – mesmo que em termos de iconografia o personagem lembre o Super-Homem; e os efeitos em relação ao personagem Mercúrio são ótimos, ainda que não muito diferentes da participação do personagem no último longa dos X-Men). Mas falta empolgação e espontaneidade, o que o primeiro filme, mesmo com defeitos, tinha de sobra.
Quem procura um espetáculo grandioso cheio de referências geeks vai encontrar com certeza. O longa é construído de forma a arrancar urros e obrigar o espectador a sair do cinema impressionado para não se sentir culpado. Mas, no fundo, ele é mais do mesmo.
É divertido e tal, mas e daí? Se não atrapalha a dominação mundial da Marvel e do filão das produções cinematográficas baseadas em HQs de super-heróis, também pouco contribui para ela. Vai render zilhões, mas hoje em dia qualquer “Transformers” ou “Velozes e Furiosos” rende zilhões mostrando nada de novo.
PS1:A título de comparação, “Guardiões da Galáxia” é um filme bem mais interessante dentro do universo Marvel, cheio de cenas lindas (narrativa e visualmente falando), humor na medida, personagens carismáticos e cenas realmente empolgantes.
PS2: Vi o filme em 3D e confesso que isso não ajudou em nada. O filme tem elementos demais, e o 3D dispersa a atenção mais do que concentra. Tudo parece CGI, maquete e pouco realista. Talvez em 2D a produção funcione melhor.