Sense8 é o melhor trabalho dos irmãos Wachowski desde o primeiro “Matrix”, ficção científica que colocou o nome dos irmãos no mapa dos grandes diretores de Hollywood e, de quebra, ainda revolucionou o gênero e influenciou o cinema, a televisão, a propaganda, o videoclipe, a moda…
Desde então, Andy Wachowski e Lana Wachowski não deram sorte e amargaram uma decepção atrás da outra (as duas continuações de “Matrix”, “Speed Racer”, “A Viagem”, e “O Destino de Júpiter”). Agora, os dois migram para a televisão e entregam um trabalho complexo, ousado e envolvente.
Além de assumirem a direção de alguns episódios (Tom Tykwer, de “Corra Lola, Corra”, James McTeigue, de “V de Vingança”, e o estreante Dan Glass dividem a função com eles), os irmãos Wachowski são também criadores da série (com J. Michael Straczynski, de”Babylon 5”).
Dirigida em escala épica, a série mistura ficção científica, drama e romance para contar a história de oito estranhos de diferentes partes do mundo que, de alguma forma, estão conectados.
Inicialmente, a trama não faz muito sentido, mas, a medida que os episódios avançam, a série vai ganhando contorno graças a um roteiro que privilegia a construção dos personagens. O carismático grupo de atores se entrega à proposta e mitologia criada pelos autores e ajuda na empreitada de conectar o público com essa narrativa estilhaçada e misteriosa.
A história nunca realmente desenvolve a trama de conspiração contra os oito “sensates”, como os personagens são chamados. Mas essa não parece ser mesmo a intenção dessa primeira temporada, mais interessada em apresentar os personagens e criar um histórico para eles.
Como a série responde muito pouco as próprias perguntas que lança (o que, de certa forma, serve à construção da mitologia da mesma e mantém o interesse do espectador para as próximas temporadas), o resultado são várias histórias paralelas que envolvem casamento, vingança, corrupção, romance e traumas do passado. Tudo misturado por uma edição que constrói um verdadeiro mosaico de cenas para conectar os personagens entre si e é responsável pelos melhores momentos do seriado (os sensates interagindo e influenciando nas decisões uns dos outros).
O excesso de montagens paralelas em câmera lenta ao som de canções pop (a trilha tem Sigur Ros, Macy Gray, 4 No Blondes) pode parecer apelativo, mas a própria proposta da série faz com que o recurso seja necessário. E a direção de Sense8 toma cuidado para que estas cenas sejam emblemáticas e tocantes.
Feita para o Netflix, a série tem sim seus problemas. Os personagens parecem lidar muito bem com a ideia de que estão conectados com outras pessoas ao redor do mundo. Não existe questionamento ou mesmo perplexidade em relação a esse fato.
Com oito personagens principais, é claro também que Sense8 acabe privilegiando algumas tramas em detrimento das outras (o núcleo mexicano, por exemplo, parece isolado ao longo da série). Dessa forma, temos personagens mais interessantes do que outros.
Outra questão é em relação à própria originalidade da série. Os irmãos Wachowski mesmo já exploraram antes o conceito de escolhidos (“Matrix”, “O Destino de Júpiter”) e da interligação entre personagens (“A Viagem”). Mas a força de Sense8 está menos na originalidade da história e mais na ousadia de sua realização.
Sense8 é épica, dramática, emocional e delicada. A série ainda serve como mais um exemplo de como as diferenças estéticas de linguagem e narrativa entre cinema e televisão estão cada vez mais borradas. A única coisa que parece ainda separar esses dois mundos é mesmo o modo de exibição.