Trainspotting é um clássico, um desses raros filmes que virou o retrato do seu tempo ao se aproveitar do zeitgeist da metade dos anos 1990 para fazer arte e ser uma representação fiel da juventude da época. Danny Boyle usa as drogas, o sexo, o consumismo, a AIDS, o futebol, o medo da vida adulta e suas responsabilidades e, principalmente, a música para embalar um dos grandes longas dos anos 1990, uma produção que virou referência e influência para qualquer filme sobre jovens e música lançado depois.
20 anos depois, a música eletrônica não é mais a mesma e o britpop e a eurodance são praticamente coisas do passado. A edição de videoclipe, marca registrada do próprio filme, deixou de ser algo incomum e hoje é prática em qualquer produção vagabunda de ação. E a juventude que se entupia de drogas e dançava nos clubes até o sol nascer envelheceu e trocou tudo isso por empregos estáveis e novas drogas, mais precisamente Viagra, remédios pra dormir e aplicativos em smartphones.
Danny Boyle sabe que o mundo mudou e, ao invés de tentar fazer de Trainspotting 2 um novo filme icônico, prefere apostar na melancolia e nostalgia, duas das grandes commodities da cultura pop atual. O resultado não tem então o mesmo impacto do original, nem mesmo tenta emular a essência da primeira produção e do período, um dos grandes males dos produtos culturais que apelam para o apego ao passado.
O diretor opta mesmo por fazer uma grande homenagem ao seu melhor filme. E em nenhum momento, Boyle parece se importar em reverenciar o original e, sem a menor vergonha, repete a estrutura narrativa, faz referências à edição e às gags visuais, insere flash de cenas famosas e reutiliza as músicas que tornaram o longa um cult.
O elenco e o texto seguem esse mesmo caminho de reverência. Sem muita explicação, o roteiro joga pistas da trajetória dos personagens e deixa as rugas e as interpretações dos atores preencherem as lacunas de 20 anos (alguns coadjuvantes mal têm falas, mas apenas o olhar e a postura dos atores mostram o peso de seus passados). “Trainspotting 2” ganha então relevância e conquista a empatia do espectador, principalmente daquele que era jovem e viu o filme na sua época de lançamento.
Assim como os personagens mais velhos, a edição não é mais tão elétrica e mostra como a passagem do tempo influencia nosso ritmo de vida. A abordagem urgente de antes ganha um aspecto mais contemplativo. E o desejo de se criar algo esteticamente visionário graças, principalmente, ao casamento perfeito entre imagens e músicas dá lugar a cenas menos visualmente ostensivas e mais dramaticamente trabalhadas.
A continuação segue falando sobre amizade, medos e traição, mas de forma mais madura. Os 20 anos de bagagem dos personagens ficam claros em suas posturas e novos discursos (o monólogo feroz de abertura do primeiro filme dá lugar a um novo diálogo igualmente poderoso e ainda mais amargo de Renton). No final, fica claro que o grande vilão do longa não é mais tornar-se adulto e assumir responsabilidades, mas sim envelhecer e ficar preso ao passado. Como um dos personagens diz em uma das mais belas e tristes cenas do longa, a nostalgia nos faz ser turistas em nossa própria juventude. Envelhecer é mesmo para os fortes.