É perfeitamente compreensível que “mãe!”, novo filme de Darren Aronosfky (“Réquiem para um Sonho” e “Cisne Negro”), seja um fracasso de público e tenha recebido a nota mais baixa em um site gringo que mede o apelo das produções à audiência.
Vendido como um thriller psicológico/de horror estrelado pela queridinha do momento, Jennifer Lawrence, a obra passa longe da expectativa criada pelo marketing e gerada no público.
O longa até começa apontando para um caminho mais “tradicional” de suspense, algo que poderia render um novo “Cisne Negro”, por exemplo, mas logo Aronosfky descarta essa linha e segue uma trilha bem mais tortuosa, enigmática e incômoda.
É nesse momento de ruptura narrativa que o cineasta joga na cara da audiência, sem o menor pudor ou compostura, que “mãe!” é, na verdade, uma alegoria hiperbólica que grita a todo o instante a sua própria natureza desconcertante.
A partir desse ponto, cabe ao público entrar ou não na viagem de Aronosfky (relatos contam que vários espectadores enganados pela premissa simplista abandonam a sala de cinema sem pena lá pela metade da produção).
É aí também que, para muitos, o diretor erra e pesa a mão. Além de não ser nada sutil em suas intenções de criar uma obra de Arte alegórica, Aronosfky confunde ao não deixar muito claro qual é o seu objetivo/mensagem com essa peça que ora parece brilhante, ora uma bagunça.
Há espaço para várias leituras. “mãe!” pode ser interpretado como uma alerta às questões ambientais atuais ou à intolerância religiosa graças aos seus vários simbolismos bíblicos. Talvez um estudo sobre a fragilidade do ego masculino ou um relacionamento abusivo, já que a esposa vive e respira os desejos do marido.
Quem sabe o filme seja uma crítica à idolatria cada vez mais nociva das pessoas em relação a outras pessoas ou um paralelo à nossa atual situação política/econômica/social fora de controle. E por aí vai. A cada momento, o longa parece apontar para um significado ou a todos tudo ao mesmo tempo agora.
Não há como negar, no entanto, a ousadia de Aronosky em lançar um filme com atores do primeiro escalão, e por meio de um grande estúdio hollywoodiano, com uma proposta tão extraordinariamente destrambelhada. Mas também não há como não ter empatia em relação àqueles que acham que o trabalho é apenas pretensioso (nem nome os personagens têm) e caótico.
Seja qual for seu time, é preciso reconhecer os méritos do longa depois de passar pela “experiência” de assisti-lo (sim, “mãe!” se enquadraria perfeitamente nessa estratégia consumista atual de tratar produtos/cultura/arte/viagens ou o café da esquina como experiências).
A direção de arte, a fotografia e o design de som são soberbos e dão vida à Casa, único cenário de uma produção que beira à claustrofobia. Aronosfky segue sua linha de super dirigir tudo, o que pode ser pavoroso para alguns, mas muito me agrada. E o elenco compra a ideia visceral do diretor e segue em frente mesmo quando o filme parece não fazer mais sentido algum (ainda que Javier Bardem e Ed Harris pouco registrem em cena e Michelle Pfeiffer, dona da melhor personagem, sempre intrusiva e acima do tom, seja pouco aproveitada).
Já Jennifer Lawrence, que come o pão que o diabo amassou, é a alma e o coração de “mãe!”. A câmera de Aronosfky parece estar completamente apaixonada pela atriz. Mas, ainda que intencionalmente, sua personagem parece ser a menos interessante do filme, sempre passiva e apenas reagindo diante dos absurdos que presencia (algo como o próprio espectador em meio a tanta loucura).
No final das contas, esqueça a premissa básica de “casal vive em uma casa isolada até a chegada repentina de estranhos”. Isso não é sequer a ponta do iceberg desse filme amável e odiável quase em proporções equivalentes.
E sim, para o bem e para o mal, o longa é uma “experiência”, uma montanha russa de sensações chocantes e desagradáveis. Para alguns, é pura arte, para outros, uma grande de uma bobagem.