Ninguém pediu por uma continuação de “Blade Runner”, e o filme original não precisava de uma. Mas nostalgia é um negócio e vende muito atualmente, então o clássico de 1982 ganhou a “tão esperada” (ou não) sequência.
A minha sorte, ou melhor, a sorte de quem tem o original como filme da vida é que “Blade Runner 2049” está muito mais para um “Mad Max: Estrada da Fúria” ou “Trainspotting 2” do que outras tantas continuações, prequels ou spin offs temporãos que temos por aí (vide “Prometheus” ou “Alien: Covenant”, pra ficarmos no universo “Ridleyscottiano”).
O que poderia ser então uma tragédia anunciada vira uma belíssima homenagem ao cult que mudou os rumos do cinema de ficção científica lá no começo dos anos 1980 com sua trama enigmática e sombria e ambientação caótica e inovadora.
Mais do que uma simples continuação, “Blade Runner 2049” paga muito pau para o longa de 1982. O novo diretor Denis Villeneuve (atualmente bem mais cineasta do que Ridley Scott, diretor do primeiro) faz de tudo para não macular o original, não caindo na besteira de tentar explicá-lo, por exemplo, e apostando ainda mais na encenação para recriar o universo inspirado na obra de Philip K Dick.
O que importa é menos o desenrolar da trama sobre um novo Blade Runner (Ryan Gosling) em busca do paradeiro de Rick Deckard (Harrison Ford) e mais como Villeneuve constrói os cenários e desenvolve os dilemas desses personagens que continuam vivendo a dicotomia entre o que é/pode ser real ou inventado.
Nesse sentido, 30 anos se passaram entre uma história e outra, mas as pautas ainda são as mesmas: o que nos define como humanos (emoções? memórias?), a eterna preocupação com a (nossa) finitude, o medo/preconceito dos humanos ao diferente (os replicantes) e a fascinação/inveja dos replicantes em relação à essência da humanidade.
“Blade Runner 2049” pode desagradar assim a toda uma parcela do público que procura uma obra fechada, com todas as amarras alinhavadas, mas Villeneuve bebe na própria fonte do original e sua narrativa mais episódica em que o roteiro não segue uma lógica tão estruturada.
O cineasta vai apresentando possibilidades narrativas, fatos e personagens, mas não necessariamente desenvolve todos eles, mantendo a aura misteriosa que transformou “Blade Runner” em um cult.
Claro que o filme não tem o mesmo impacto que o trabalho de Ridley Scott teve em 1982. Mais de 30 anos de produções influenciadas pelo próprio “Blade Runner” fazem com que os temas tratados aqui sejam familiares demais e um tanto “déjà vu” para quem é minimamente versado em ficção científica.
Mas Villeneuve não parece muito preocupado com isso e vai desenvolvendo vagarosamente sua visão poética e melancólica desse futuro distópico ora cinza e úmido, ora amarelado e seco. O resultado é um desbunde visual e sonoro fascinante (com uma fotografia, direção de arte, efeitos especiais e trilha sonora dos deuses) e cheio de ressonância, emoção contida e… nostalgia.