É interessante como Ryan Murphy subverte as expectativas em relação a segunda temporada de “American Crime Story“. Enquanto “The People vs O. J. Simpson” praticamente mimetizava o julgamento do esportista e usava a extensa cobertura midiática para se debruçar sobre o caso e, por tabela, falar sobre machismo, manipulação dos fatos e poder, em “The Assassination of Gianni Versace“, o showrunner opta por deixar a verdade de lado ao misturar fatos e especulações sobre os motivos que levaram o jovem Andrew Cunanan a virar serial killer e matar o estilista italiano.
Se, por um lado, essa escolha tira a credibilidade da série (constantemente criticada pela família Versace e outros envolvidos), por outro, contribui para que a dramaturgia da trama explore a personalidade do principal personagem dessa história (Cunanan, vivido com intensidade por Darren Criss), transformando essa temporada em um estudo sobre a homofobia nos anos 1990.
Murphy usa a morte de Versace como estopim para mostrar o preconceito que os gays sofriam há pouco mais de 20 anos. Seja pelo descaso como a perseguição de Cunanan é tratada inicialmente pela polícia/FBI, ou pela forma como o próprio estilista esconde sua sexualidade e doença (na série, Versace é HIV positivo, fato negado por sua família) ou mesmo como a personalidade de Andrew é moldada pelo fato dele ser gay, a série usa a trajetória de Cunanan como alegoria para dissecar a forma que a sociedade, de certo modo, valida a homofobia.
É aqui que reside a primeira crítica à série. Estruturada como um grande flashback, essa segunda temporada parte do princípio que Cunanan era “fruto do seu próprio meio”, usando a homofobia ou mesmo a sua criação como “desculpa” para minimizar o seu comportamento deslumbrado, megalomaníaco e manipulador. Nesse sentido, o programa trata o serial killer com toda a condescendência possível, o que fica ainda mais evidente graças à humanização que Criss dá ao personagem.
Essa empatia que Murphy e Criss dão ao personagem funciona dentro de uma abordagem que está mais preocupada em discutir a homofobia do que propriamente desvendar as lacunas e mistérios envolvendo o comportamento de Cunanan. A estrutura em flashback, que volta um pouco no passado a cada episódio, deixo isso ainda mais evidente à medida em que descobrimos um pouco mais sobre a vida de Cunanan (tudo baseado na mistura de fatos e suposições para tornar a narrativa mais envolvente).
O que nos leva a segunda grande crítica à temporada. Ao se debruçar sobre Cunanan, a narrativa deixa de lado Versace, tornando-o um coadjuvante de luxo em uma própria morte. Apesar de dar nome à temporada, o assassinato de Versace é apenas pontual, aparecendo de forma mais emblemática nos primeiros e últimos episódios. No miolo da série, Versace (um Edgar Ramírez que não tem muito o que fazer), seu amante (um Ricky Martin apagado) e a irmã Donatella (uma Penélope Cruz que merecia muito mais espaço) somem e reaparecem em função do roteiro que tenta a todo custo criar um paralelo entre assassino e vítima.
Mas, ainda que tenha falhas, pelo menos Murphy constrói muito bem essa encenação que fica no meio caminho entre a ficção e a realidade, deixando um pouco de lado uma afetação narrativa tão característica de seus trabalhos. O elenco, no geral, é bom e traz duas ótimas atuações dos atores que interpretam as vítimas de Cunanan (Finn Wittrock e Cody Fern), tratados com respeito pelo roteiro. A produção também é bem caprichada, com figurinos e trilha sonora que emulam muito bem o período.
Interessante e envolvente, mesmo que a estrutura em flashback canse um pouco, “The Assassination of Gianni Versace” pode não ser a temporada reveladora que todos esperavam, mas é um belo e competente passatempo sobre um assassinato que continuará envolto em muitas especulações e poucas certezas.