Assédio

Ramón Vasconcelos/ TV Globo/ Divulgação

O presidenciável em primeiro lugar nas pesquisas foi absolvido recentemente de uma acusação de apologia ao estupro. Um parlamentar que quis ofender uma mulher dizendo que ela era tão feia que não merecia nem ser estuprada, isso em frente a câmeras de TV, sem o menor pudor ou respeito.

A absolvição e o fato dele ter o maior número de intenções de votos diz muito sobre o machismo incrustado na sociedade brasileira. É uma pena então que “Assédio“, minissérie da Globo inspirada na história do médico condenado por estupro Roger Abdelmassih, não esteja sendo exibida na TV aberta e tenha ficado limitada aos assinantes da GloboPlay.

Mais do que ser um produto audiovisual de qualidade, o maior mérito de “Assédio” é dar visibilidade a uma história que precisa ser discutida e ainda contá-la sob a ponto de vista das mulheres, das vítimas de um homem que usou uma postura superior e um discurso religioso para justificar os seus atos.

A história da minissérie de 10 episódios não necessariamente é a de Roger Abdelmassih (agora Roger Saldanha, vivido de forma assustadora por Antonio Calloni). Mas ela funciona como denúncia para que casos similares parem de acontecer e as mulheres sejam vistas realmente como vítimas e não mais culpadas e responsáveis por abusos, estupros e violência.

Ramón Vasconcelos/ TV Globo/ Divulgação

Assédio” acerta nesse quesito. A minissérie nunca fica em cima do muro e deixa claro que está ao lado das vítimas, aqui vividas por atrizes como Adriana EstevesJéssica Ellen, Hermila Guedes e outras. Dirigida e roteirizada por mulheres, a série encontra o tom certo para mostrar com sensibilidade como as pacientes de Roger “Saldanha” têm suas vidas afetadas pelo encontro com o médico. Vemos o nojo, a vergonha, o medo, a revolta e o desespero dessas mulheres diante de uma situação que foge ao controle delas.

Outro acerto de “Assédio” é retratar, ora de forma sútil, ora de maneira mais explícita, o machismo que essas mulheres têm que enfrentar, mesmo elas sendo as vítimas. Advogados as aconselham e seguir a vida e deixar o estupro no passado. Maridos e namorados as culpam pelo situação. E o acusado da agressão as segue chamando de vagabundas e histéricas.

O olhar delicado ao tema também fica evidente nas próprias cenas de agressão e estupro. Mesmo sem necessariamente desviar a câmera da violência, a minissérie evita a gratuidade ao nunca mostrar as situações em planos abertos, utilizando enquadramentos que dão uma ideia do todo apenas por partes, seja por meio de reflexos em espelhos ou portas entreabertas.

Ramón Vasconcelos/ TV Globo/ Divulgação

A minissérie, no entanto, não é perfeita ao completar os detalhes reais da história com uma dramatização ora superficial, ora maniqueísta. Se o drama das mulheres funciona, “Assédio” peca ao preencher as lacunas da vida pessoal de Roger “Saldanha” apelando para clichês: a mulher ciumenta e obsessiva que, praticamente, parece justificar os casos extraconjugais do médico, por exemplo. A tentativa de humanização da personagem do médico nem sempre funciona, seja porque as cenas dele com a família são poucas exploradas ou porque o seu depoimento que entrecorta toda a minissérie mina qualquer possibilidade do público sentir empatia pelo mesmo.

Outro porém é a trama ingênua da jornalista que tenta descobrir a verdade sobre o médico e dar voz às vítimas. Se apropriando de todos os clichês das narrativas envolvendo jornalistas, a minissérie perde credibilidade ao apostar em um suspense romantizado e desnecessário que distancia o público da história muito mais interessante das vítimas. O fato do programa transformar a repórter em uma mãe negligente também não cai muito bem, praticamente culpando a personagem por sua postura idealista e dedicada ao trabalho.

Mas esses defeitos não diminuem a importância e relevância da minissérie. Em tempos tão sombrios como os atuais, em que Direitos Humanos básicos são vistos como ameaças, histórias como as de “Assédio” precisam chegar ao grande público e gerar discussões, incômodo e revolta. Casos como o de Roger Abdelmassih/Saldanha não podem ser jamais esquecidos ou jogados para debaixo do tapete.

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