1999 foi um dos anos mais emblemáticos da história recente do cinema. Se nem todo filme está destinado a ser lembrado, 1999 foi uma verdadeira máquina de lançar produções que mudaram estéticas, definiram gêneros e viraram clássicos. À beira do ano 2000 e, em meio ao “Bug do Milênio”, Hollywood, consciente ou inconscientemente, abraçou o medo do desconhecido e deixou o final feliz de lado para apostar no cinismo e jogar verdades na cara do público.
Filosofia, subversão, anarquia, anti-capitalismo e surrealismo. Sobretudos pretos, óculos escuros, clubes de luta, famílias disfuncionais e chuvas de sapos. Esses foram apenas alguns dos temas e motes de uma seleção de filmes lançados em 1999 e que viraram referência, influenciaram o período, marcaram uma geração e são lembrados até hoje.
A seguir, 11 filmes lançados em 1999 e que continuam maravilhosos 20 anos depois em um mundo dominado por redes sociais, fake news e serviços de streaming como a Netflix:
O Sexto Sentido – M. Night Shyamalan não era ninguém quando lançou esse suspense com toques de terror que mistura elementos do cinema de Hitchcock e uma baita reviravolta para contar a história de um menino que vê os mortos. O filme ganhou milhões, virou uma febre e colocou o terror mais uma vez na rota de sucesso de Hollywood. Já Shyamalan virou piada e tenta se recuperar até hoje de fracassos como “A Dama da Água”, “Fim dos Tempos” e “Depois da Terra”.
A Bruxa de Blair – Realidade ou ficção? Brincando com os dois conceitos, esse filme de baixíssimo orçamento causou histeria e levou o gênero do found footage (produções feitas a partir da ideia de “filmes perdidos”) aos multiplexes. O longa ainda inventou uma nova forma de divulgação que explorava com louvor a tal da internet e, claro, ganhou péssimas continuações. Atualmente, a fórmula do found footage ficou desgastada, mas, vez ou outra, alguma produção a tira do baú.
Matrix – Já era dado como certo: a volta de Star Wars seria o evento cinematográfico do ano. Ninguém esperava, no entanto, que uma sci-fi que misturava filosofia, kung-fu, efeitos especiais revolucionários, sobretudos pretos, óculos escuros e muitas armas tomaria de assalto as bilheterias e virasse uma marca. O filme dos, na época, irmãos Wachowski (que passaram pela transição de gênero) é o retrato perfeito do período e se transformou em referência obrigatória em qualquer discussão sobre o mundo real e virtual. Hoje, as irmãs cineastas, para o bem e para o mal, criaram a série “Sense 8” para a Netflix.
Clube da Luta – David Fincher usa seu habitual esmero estético/técnico e um roteiro subversivo para dirigir essa ode à anarquia. O cineasta coloca Brad Pitt e Edward Norton para brigar nesse exercício narrativo imoral e perturbador que transforma as frustrações e vazio existencial dos personagens em mote de um dos filmes mais agressivos e revolucionários lançado pela máquina hollywoodiana que o longa critica. Continua atual e ofensivo até hoje.
Beleza Americana – 20 anos depois do lançamento da estreia do diretor Sam Mendes no cinema, o american way of live virou alvo de outros tantos filmes e séries e a carreira de Kevin Spacey foi para o saco graças a acusações de abuso sexual. Mas a produção ainda é retrato de sua época e continua um grande filme que mistura drama, poesia e acidez para mostrar a falência do conceito de “família tradicional”.
De Olhos Bem Fechados – Na época ainda casados, Tom Cruise e Nicole Kidman se despem para Stanley Kubrick nesse filme em que revelações íntimas viram arma de uma longa DR filmada só como um mestre poderia filmar. Na despedida de Kubrick (morto na pós-produção do longa) das telas, vemos dois dos maiores astros do cinema discutindo suas fantasias sexuais sem o menor pudor nesse exercício de estilo e sofisticação.
Magnólia – Inspirado pelas belas canções de Aime Mann, Paul Thomas Anderson transforma a vida de um bando de fracassados em poesia nessa longa jornada ao inferno que culmina em uma das cenas mais nonsense do cinema. Com a ajuda de uma chuva de sapos, Tom Cruise, Julianne Moore, William H. Macy, Jason Roberts e mais uma penca de atores foda, a produção não desvia o olhar da raiva, dor, humilhação, decepção, mágoas e ressentimentos de seus personagens miseráveis. 20 anos depois, Anderson é um dos mestres do cinema atual.
Quero Ser John Malkovich – John Malkovich interpreta a si mesmo na “viagem” cinematográfica mais bizarra de 1999 e que, 20 anos depois, continua uma das produções mais originais da História do Cinema. Um John Cusack e Cameron Diaz descabelados descobrem uma passagem para o cérebro do renomado ator em um escritório localizado no 7 ½ de um prédio. O resto é pura diversão estranha, curiosa e surreal na estreia de Spike Jonze e Charlie Kaufman como diretor e roteirista no cinema.
O Verão de Sam – Spike Lee usa uma onda de calor e de assassinatos na Nova York dos 1970 para mostrar o relacionamento instável de um casal nesse que é um de seus melhores trabalhos e um de seus filmes menos conhecidos. A trilha sonora disco, as cores quentes e a câmera vigorosa de Lee dão o tom dessa produção que foge (mas só um pouco) dos temas comuns ao cineasta. 20 anos depois do seu lançamento, Lee conseguiu, finalmente, ser indicado ao Oscar de direção pela primeira vez por “Infiltrado na Klan”.
Meninos Não Choram – Ninguém nem sequer usava a palavra transgênero e o termo ideologia de gênero lá em 1999, mas a história real de Brandon já causava incomodo e impacto. Nascido menina, Brandon (Hilary Swank) se vê como menino e passa a agir como um até ser brutalmente assassinado. A história é forte e ainda ressoa 20 anos depois graças a um mundo que continua extremamente conservador e transfóbico.
Segundas Intenções – Se em “Ligações Perigosas” Glenn Close, Michelle Pfeiffer e John Malkovich usavam espartilhos e perucas, nessa modernização, Reese Witherspoon, Sarah Michelle Gellar e Ryan Phillippe circulam bem blogueirinhos e riquinhos pelos corredores de uma escola nova-iorquina ao som de Placebo, Fat Boy Slim e The Verve. O filme não é perfeito como a versão de Stephen Frears, mas é bem divertido, marcou uma geração, ganhou continuações que ninguém viu e ecoa por aí em várias séries adolescentes.
Outros filmes memoráveis que completam 20 anos em 2019: o estranho”EXistenZ”; o ótimo elenco de “O Talentoso Ripley”; o romance “Fim de Caso”; o visualmente belo “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”; os irônicos “Eleição” e “Três Reis”; “Garota, Interrompida” e “As Virgens Suicidas”.
E mais: “O Mundo de Andy”, “Hurricane – O Furação, “O Informante”, “História Real”, “Dogma”, “Vamos Nessa!”, o espanhol “Tudo Sobre Minha Mãe”, a animação “O Gigante de Ferro”, “O Céu de Outubro” (com um Jake Gyllenhaal adolescente) e a melhor comédia romântica de todos os tempos, “Um Lugar Chamado Notting Hill”.