Black Mirror: as cinco temporadas

blackmirror1Inicialmente produzida pela TV britânica, Black Mirror ganhou sobrevida no Netflix e conquistou todo um novo público graças ao hype da plataforma. Mas o hype realmente se sustenta? Sim e não.

Sim porque os episódios isolados que lançam um olhar sobre a relação entre humanidade e tecnologia são realmente bem dirigidos, tensos e atuais. Como toda antologia, existem episódios melhores e outros mais fracos, mas nenhum chega a ser ruim. O fato da série não ter grandes nomes por trás das câmeras (o diretor mais conhecido de um ep é Joe Wright, de “Orgulho & Preconceito” e “Desejo & Reparação”) e astros no elenco (apenas rostos mais ou menos conhecidos como Jon Hamm, Bryce Dallas Howard, Kelly MacDonald, Gugu Mbatha-Raw, Domhnall Gleeson, etc.) ainda ajuda a não gerar distrações em relação ao tema dos episódios.

Mas ao contrário de toda a discussão gerada pela série, não dá pra negar que muito do que ela traz como novidade, na verdade, remete a vários outros produtos de ficção científica. “Blade Runner”, “Ela”, “O Show de Truman”, “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, “The Final Cut” e “Gattaca” são, por exemplo, algumas das referências da série. O fato da série começar a se repetir a partir da quarta temporada, tentando mimetizar o sucesso de episódios mais consagrados, como “San Junipero” também compromete a ideia de originalidade e tira parte de seu impacto. Não que isso seja realmente um defeito, mas limita um pouco essa ideia de pioneirismo que muita gente atribui à antologia.

De uma forma ou de outra, a série não é para os fracos, e praticamente todos os episódios adotam um tom apocalíptico em relação à nossa relação com a tecnologia, ainda que, a partir da quarta temporada, o espectador comece a normalizar a abordagem da série e muitos episódios acabam sendo esquecíveis. A lógica da série, no entanto, continua batendo na tecla que de somos obcecados por nossos smartphones, preocupados com nossa imagem nas redes sociais e/ou avatares e dependentes do acesso à memória, por exemplo, sendo vários desses elementos já muito parecidos com a nossa realidade atual.

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Eis minha ordem preferência de episódios das cinco temporadas já lançadas:

Hino Nacional – S01E01: Não sei se é porque foi o primeiro episódio que eu vi, mas também por ser um dos mais críveis de já produzidos, acho esse o melhor da série. A trama sobre um Primeiro Ministro que é chantageado a fazer uma coisa degradante ao vivo em rede nacional na TV é tensa e levanta uma série de questões sobre a falta de empatia do ser humano, além de pincelar pontos sobre ética jornalista e a influência que as redes sociais exercem atualmente.

Urso Branco – S02E02: Esse episódio que remete a um “Feitiço do Tempo” bizarro é um horror que mostra a atual obsessão da humanidade pela registro da imagem, não importa o tipo de imagem. O capítulo também discute a falta de empatia do ser humano e nossa propensão a aceitar a tortura psicológica como algo válido. É, de longe, o mais deprimente e impactante.

Odiados pela Nação – S03E06: O episódio mais longo da série, com 90 minutos, é melhor que muito filme de suspense lançado nos cinemas. O mote do capítulo é o que alguns autores chamam atualmente de “cultura do linchamento”, mais precisamente a mania das pessoas vomitarem sem critério ódio gratuito nas redes sociais contra qualquer pessoa que pense diferente delas.

Toda a Sua História – S01E03: Um casal briga por ciúme e mostra a dependência do ser humano no futuro em relação à sua memória, toda registrada e facilmente acessível graças a um implante ocular. Bizarro e triste, o ep mostra como uma tecnologia supostamente revolucionária pode ser totalmente equivocada e mudar hábitos.

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Engenharia Reversa – S03E05: Talvez o episódio mais assustador em termos éticos. O exército cria máscaras tecnológicas que distorcem a visão dos soldados e transforma seus alvos em criaturas desfiguradas para aumentar a eficiência e eliminar qualquer vestígio de compaixão neles. O resultado é bastante pesado e desesperançoso.

Smithereens – S05E02: Os melhores episódios de “Black Mirror” são aqueles que deixam a tecnologia em segundo plano. É o caso desse que funciona quase como um filme de suspense ao focar na tensão criada por um sequestro. Mesmo que o “mistério” envolvendo a razão do sequestre não seja necessariamente original, o episódio consegue ser ressonante porque é uma drama real e plausível.

Crocodile – S04E03: Um dos episódios mais criticados da série e xingados nas redes sociais, principalmente por causa do final polêmico que envolve um bichinho. Mas, ainda assim, é tenso e traz uma ótima atuação de Andrea Riseborough, que vive uma arquiteta que mostra a verdadeira natureza humana diante de um empasse ético.

Manda quem pode – S03E03: Pessoas vítimas de um hacker precisam realizar determinadas tarefas para evitar que ofensas racistas ou conteúdos eróticos sejam vazados. Outro capítulo que levanta a questão da ética, principalmente em relação à privacidade do outro.

Volto já – S0201: Um dos episódios que mais apela para a emoção ao lidar com uma das situações mais delicada e natural da vida: a morte. Você usaria uma tecnologia que emula um ente querido morto? O resultado é melancólico e triste.

San Junipero – S03E04: Outro episódio melancólico que apela para o sentimentalismo. No futuro, será possível fugir da vida em uma realidade alternativa em que tudo se resume a ser um eterno sábado à noite de balada regada à pista de dança e canções pop.

Natal – S02E04: Não sei o que é mais bizarro nesse episódio, o fato de você criar uma cópia sua para realizar as tarefas banais do dia a dia ou a possibilidade de você bloquear na vida alguém indesejado (quem nunca bloqueou alguém no MSN, Skype, app ou Facebook que levante a mão).

Versão de Testes – S03E02: Um turista americano se envolve nos testes de um novo game de terror de realidade avançada. O resultado é tenso e assustador, mas o final é decepcionante.

Black Museum – S04E06:  O que salva esse episódio sobre vingança é que ele mais parece um capítulo da série “Além da Imaginação” do que de ‘Black Mirror”, fugindo um pouco da abordagem da série e o tornando peculiar perante os outros, o que, de certa forma, é uma qualidade.

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Queda Livre – S03E01: Um dos episódios mais discutidos. No futuro, o que importa não é dinheiro, mas a quantidade de estrelas que você recebe em interações na vida e em aplicativos. O resultado é bem pastel, assim como a paleta de cores de um mundo clean e apático.

Hang the Dj – S04E04: Uma crítica ao modus operanti dos aplicativos de relacionamento, o episódio atira no maravilhoso “O Lagosta”, mas acaba bebendo na mesma fonte de irregular “Queda Livre”.

Rachel, Jack and Ashley Too – S05E03: Esse episódio vale mais pela curiosidade de ver Miley Cyrus interpretando uma versão de si mesmo. No mais, a trama que quer criticar a indústria da música, apontando novas tecnologias que colocam o artista em segunda plano, é boba e só funciona pelo aspecto da vingança.

USS Callister- S04E01: Mais um episódio em que a série imita a si própria. A vibe aqui é a mesma de “San Junipero”, trocando a nostalgia das baladas e música por uma atmosfera que remete à séries como “Jornada nas Estrelas”.

Striking Vipers – S05E01: “Black Mirror” tem a péssima mania de tentar replicar o sucesso de episódios passados. É o caso desse em que dois amigos aproveitam o mundo virtual para viver um romance “homoerótico” (por meio de personagens heterossexuais de um videogame… humpf). Nada de novo. Já vimos a mesma proposta em “San Junipero” e “USS Callister”. Pelo menos, é bem produzido.

Quinze Milhões de Méritos – S01E02: Em um futuro distópico (?) ou você vira astro de TV ou pedala uma bicicleta para ganhar méritos e ter um avatar mais bonito. Com um estética de reality show, a grande mensagem do capítulo é que, no fundo, todo mundo quer mesmo é ser parte do sistema. Um tanto óbvio e sem graça.

Arkangel – S04E02: Dirigido por Jodie Foster, o episódio tem um pé na realidade ao mostrar uma mãe que usa a tecnologia para seguir os passos da filha, afetando a relação entre elas. Apesar da temática interessante, o resultado é morno e não vai muito além do óbvio.

Metalhead – S04E07: O episódio, envolvendo cães-robôs farejadores, parece um arremedo de The Walking Dead, trazendo o que há de pior na série de zumbis.

Momento Wado – S02E03: Em tempos de Trump e Bolsonaro, por que não votar em um bichinho virtual? O resultado da questão é o episódio mais fraco da série.

Black Mirror: Bandersnatch: Esse filme interativo que ganha o selo “Black Mirror” só serve para mostrar que o cinema não está pronto para ser conduzido pelo espectador. Na pior vibe “Você Decide”, tudo é simplista e preguiçoso. Salva-se a ambientação anos 1980.

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