Na virada dos anos 1980, só dava X-Men na minha cabeça. Lia os quadrinhos, adorava as histórias e me identificava com os personagens (menos porque eles tinham poderes e mais por eles serem mutantes, diferentes e sofrerem preconceitos). Adorava as sagas. O surgimento e a morte da Fênix. O Massacre e a Queda dos Mutantes. O Inferno. Lia e colecionava outros gibis de heróis, tanto da Marvel quanto da DC, mas meu coração era deles, dos mutantes (X-Men, Novos Mutantes, X-Factor).
Sabe-se lá Deus o porquê um dia resolvi parar de ler e colecionar HQs. Simplesmente deixei de lado. O tempo passa, a vida voa, eu mudei, comecei a me dedicar mais a ver filmes e parei por completo de comprar quadrinhos. Dei minha coleção de mais de 500 revistas para meu irmão mais velho e me enfiei em salas e mais salas de cinema.
E foi graças à sétima arte que os mutantes voltaram a fazer parte da minha vida. Lá em 2000, eu ainda jovem e bobo, em uma época que filmes de super-heróis eram raros e mal vistos, uma produção colocou de volta o Wolverine, a Tempestade, a Vampira, Ciclope, Jean Grey, Professor Xavier, Mística, Magneto e tantos outros no meu radar.
Gostei e passei a acompanhá-los na tela grande e, de quebra, ainda voltei a comprar edições especiais de algumas sagas. As histórias não eram mais as mesmas, nem nos quadrinhos e nem no cinema, óbvio. Nos quadrinhos, agora, elas pareciam bobas e repetitivas. Já no cinema, nem sempre os personagens eram bem retratados, com fatos sendo modificados e heróis e vilões ganhando novos destinos e trajetórias. Mas, tudo bem, eles eram os X-Men e nada mais importava.
2019, mais de 25 depois de eu ter parado de ler as histórias e quase 20 anos após o lançamento do primeiro longa-metragem baseado nos personagens, eles estão de volta em um capítulo final que encerra a saga dos mutantes na tela grande. Agora que a FOX, estúdio que produzia seus filmes, pertence a Disney, que também é dona da Marvel, só nos resta esperar (um bom tempo, por favor) até a nova casa dos mutantes decidir reformular os heróis para fazer parte do Universo Marvel no cinema.
Enquanto isso não acontece, eis minha opinião sobre os filmes lançados entre 2000 e 2019, ignorando os solos do Wolverine e do Deadpool:
X-Men (2000) – O primeiro longa sobre os heróis considerados por muitos (no universo dos quadrinhos) como vilões não é o épico que muitos esperavam, mas é uma bela introdução aos personagens. Em pouco mais de 1h30, o diretor Bryan Singer introduz os heróis principais da equipe, remodela seus uniformes (menos colantes e coloridos e mais inspirados no preto sóbrio de “Matrix”, que tinha chocado o universo cinematográfico no ano anterior) e apresenta ao mundo o Wolverine perfeito (o então desconhecido Hugh Jackman). Na trama, mutantes do bem (X-Men) enfrentam mutantes do mal (Magneto e a Irmandade dos Mutantes), os dois lados lutando de forma diferente pela mesma causa: o reconhecimento dos mutantes pelos humanos. Mesmo longe da perfeição, “X-Men – O Filme” abriu caminho para novas e mais ousadas produções sobre os heróis e foi o pontapé para que o gênero de “filmes de super-heróis” se tornasse o mais lucrativo do cinema atualmente.
X-Men 2 (2003) – Com respaldo graças ao sucesso do primeiro filme, Bryan Singer não poupou esforços e transformou “X-Men 2” em uma das melhores adaptações dos quadrinhos feitas pelo cinema até hoje. Com mais heróis, mais tempo e mais dinheiro em mãos, os X-Men finalmente ganharam uma tradução fiel e digna, misturando elementos de tramas como a origem do Wolverine, o surgimento da Fênix e mais uma vez colocando a questão Humanos X Mutantes como elemento principal. A sequência inicial com Noturno é espetacular. O uso rápido de alguns heróis dos quadrinhos é um primor (Kitty Pryde, Colossus, Banshee etc). A direção de Singer é respeitosa. E a ação é mais orgânica e presente. O resultado é o melhor filme da série.
X-Men: O Confronto Final (2006) – Bryan Singer pulou fora e, no lugar dele, o genérico Brett Ratner quase colocou tudo a perder, estragando uma das melhores histórias dos heróis (A Saga da Fênix). Com uma pegada mais de ação e menos preocupado com coerência, o diretor apela para o óbvio ao vestir os mutantes maus com roupas de couro, piercings e tatuagens e inventa uma ridícula qualificação dos mutantes em níveis de poder. O resultado é que ele quase joga a franquia dos heróis no lixo com cenas anticlimáticas e banais (a morte de Ciclope) e uma abordagem grandiosa que não esconde a total falta de desenvolvimento da trama.
X-Men: Primeira Classe (2011) – Depois do fraco encerramento da trilogia original, os produtores da franquia decidiram arriscar e fazer um prequel dos heróis, remontando à formação do grupo. A ideia foi bastante criticada, mas uma das forças motoras da cultura pop é a nostalgia e o diretor Matthew Vaughn acertou em cheio ao fazer bom uso dessa estratégia. Mostrando o início das “carreiras” de Charles Xavier e Erik Lensherr antes de se tornarem os arqui-inimigos Professor Xavier e Magneto, Vaughn reescreve a história dos heróis sem nenhuma preocupação com a lógica das HQs. O resultado é uma delícia que tenta reconstruir uma mitologia já enraizada na cultura pop e deixou os fãs eufóricos (e outros bem fulos da vida também). Além de introduzir os ótimos James McAvoy e Michael Fassbender na saga, o longa ainda faz uma ponte para que os produtores pudessem juntar o elenco da trilogia original com o dessa “releitura” em “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”.
X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014) – Considerada uma das melhores histórias dos heróis mutantes e das HQs (influenciou, por exemplo, James Cameron a produzir “O Exterminador do Futuro”), a trama de viagem no tempo ganha uma adaptação fiel nessa volta de Bryan Singer (antes das acusações de assédio) ao posto de diretor. Em meio a cenas de ação e destruição muito bem orquestradas e que mostram perfeitamente o tom sombrio que as tramas dos X-Men ganhariam com o passar dos anos, o longa não deixa a carga dramática de lado e resulta em uma das melhores produções da saga, emocionante e empolgante ao mesmo tempo. Em meio a batalhas, explosões, efeitos especiais, uniformes, sentinelas, passado, futuro, mortes e renascimentos, o filme traz em sua essência a principal razão do sucesso dos mutantes e das questões que permeiam a trajetória dos heróis: preconceito, intolerância e medo. Resenha completa aqui
X-Men: Apocalipse (2016) – Mesmo com todos os erros de cronologia e a falta de aproveitamento de bons personagens (Anjo, Psylocke e Tempestade são ridiculamente mal aproveitados; em compensação a participação de Wolverine é ótima), o filme é bom e a direção é bem envolvente. Centrado em um dos maiores vilões dos mutantes (Apocalipse, vivido por um apagado Oscar Isaac), o filme não aproveita todo o potencial da história, mas apresenta novos atores fazendo personagens queridos esquecidos pelos longas anteriores, como Ciclope e Jean Grey (Tye Sheridan e Sophie Turner). É bom sim, mas não deixa de ser um passo atrás em relação ao ótimo capítulo anterior. Resenha completa aqui
X-Men: Fênix Negra (2019) – Os X-Men nunca respeitaram a lógica nos quadrinhos e nos cinemas. Mas nem a nostalgia e a paixão que costumam cegar o senso crítico dos fãs salvam da tragédia anunciada esse capítulo final da saga dos mutantes na tela grande. Os bons personagens que costumamos acompanhar estão lá, assim como o universo mutante criado pela Marvel nas HQs. Mas tudo isso, aqui, parece jogado de forma burocrática e sem desenvolvimento pelo roteirista transformado em (péssimo) diretor Simon Kinberg. A trama se estabelece em cinco minutos e bastam mais cinco pra tudo se resolver. Pelo menos essa é a impressão que fica nesse exercício de ação sem ação e nessa produção blockbuster com cara de filme com baixo orçamento. Longa vida aos X-Men, até uma próxima (melhor) reencarnação!