Existe beleza na miséria e na violência? A julgar por “Coringa”, sim. Todd Phillips não é o primeiro e nem será o último cineasta a estetizar a violência e dar a ela uma bela embalagem de encher os olhos. Tudo nesse novo filme da DC parece então gritar estética, da fotografia sombria e urbana à trilha sonora macambúzia, passando pela própria vida de tragédias do personagem (abusos, transtornos psicológicos, subempregos e humilhações).
Mas como já estamos acostumados a essa fetichização dos dramas (eu, você e todos nós achamos lindo bancar os miseráveis nas redes sociais, por exemplo), o maior problema desse filme nem é essa plasticidade quase elegante para representar uma realidade de horror. A grande questão do longa de Phillips é mesmo a falta de sutileza do diretor, que opta por uma abordagem simplista e atolada no exagero.
Preocupado demais com sua encenação rococó, Phillips peca no roteiro e gasta toda a profundidade do texto na criação do personagem, inserindo-o em um mundo chapado onde tudo ao redor do Coringa é preto no branco e maniqueísta. O mundo é mal, violência gera violência e o homem é produto do seu meio. Mais simplista impossível.
Nessa descida ao inferno, Phillips (mais conhecido pela trilogia “Se Beber, Não Case”) vai empilhando uma série de referências cinematográficas para validar seu ponto de vista e dar estofo ao seu produto. Ele mira no cinema marginal hollywoodiano dos anos 1970/1980 (“Táxi Driver”, “O Rei da Comédia”, “Rede de Intrigas”, “Um Dia de Cão”, “Laranja Mecânica” e por aí vai…), mas acaba virando um arremedo de “Clube da Luta” com seu viés anárquico, com pitadas de “Biutiful” e sua sucessão de tragédias e um quê de “Funny Games” com sua tortura psicológica.
O pior é que o filme funciona como “entretenimento”, ainda mais porque Phillips parece entender que a razão da existência da produção é a atuação de Joaquin Phoenix. A transformação do ator domina a tela, e ele se empenha para construir um personagem que se não é carismático é pelo menos envolvente. Um fracassado que se cansa de apanhar da sociedade e resolve se voltar contra ela (o ator está ótima, mas viveu um personagem tematicamente semelhante e menos óbvio no maravilhoso e muito superior “Você Nunca Esteve Realmente Aqui”).
Entra aqui outro problema do filme: a explicação é em excesso. O Coringa de Jack Nicholson ou de Heath Ledger apenas existiam e não precisavam justificar sua essência. Já aqui, Todd Phillips parte da ideia de que tudo precisa ser esclarecido. O diretor então rouba um pouco do mistério e impacto do personagem ao contar a sua origem, enfiando ainda o Batman no meio da história e enfraquecendo ainda mais o roteiro já esquemático. No final, o filme acaba parecendo mais uma desculpa para que o cinema conte pela enésima vez a origem do cavaleiro das trevas.
Mas, mesmo que pareça ser o filme errado na hora errada, “Coringa” tem seu valor, principalmente por fugir da atualmente batidíssima fórmula de produções baseadas em HQ (aqui a violência é real e a câmera não desvia do sangue). É uma pena, no entanto, que a intensidade do longa pareça gratuita e feita apenas para gerar polêmica.