Treta

Em uma determinada cena-chave de “Treta”, toca “All is full of love”, da Bjork. Mas uma música mais adequada para a série é “All you need is hate”, da banca escocesa The Delgados. A melhor coisa que a Netflix faz em muito tempo, a série é uma porrada que mostra que o ódio é um combustível que, infelizmente, nos guia bem mais do que o amor.

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A série parte da premissa de que uma pessoa pode realmente mudar a vida de uma outra. Ela deixa de lado, porém, o velho clichêzão de que isso é uma coisa boa e foca no lado negativo da questão ao mostrar como dois desconhecidos que se esbarram em uma situação aleatória transformam para pior a vida do outro.

A situação específica não poderia ser mais banal, uma briga de trânsito. Danny e Amy, aparentemente, estão em lados opostos da vida. Ela é dona do próprio negócio e está prestes a fechar uma fusão milionária que garantirá o futuro de sua família. Dinheiro para ela não é problema. Ele, ao contrário, luta para se manter de pé enquanto enfrenta problemas familiares e financeiros.

Apesar de estarem inseridos em contextos bem diferentes, os dois têm algo em comum: eles odeiam a própria vida, ainda que tentem a todo custo disfarçar isso perante os familiares, os amigos e uma sociedade que valoriza muito mais o sucesso do que as pessoas. Diante da frustração, qualquer buzina ou cortada de um carro pode ser o catalisador de uma tragédia.

E é exatamente assim que “Treta” começa. Uma simples buzina em um estacionamento de uma loja muda a rotina de Danny e Amy, que entram em um ciclo sem fim de vingança que vira a vida de ambos de ponta-cabeça. A buzina vira uma perseguição de carros na rua e vai se desenvolvendo de uma forma inesperada até sair completamente do controle de ambos.

Partindo dessa premissa que lembra um pouco o intenso “Um dia de fúria” (em que Michael Douglas surta diante da rotina estressante de uma metrópole), a série é uma das produções mais criativas que a Netflix (afundada em filmes e séries genéricas) já lançou. Cortesia da produtora A24, a marca por trás do que há de mais original em Hollywood atualmente.

Ousada e sem medo de correr riscos, “Treta” aproveita esse espiral de vingança para comentar e criticar a atual situação da sociedade. E a série não poupa ninguém. Dos super ricos que vivem em uma realidade paralela (representados pela ótima bilionária vivida por Maria Bello) passando pela classe média que vê na riqueza seu objetivo de vida (com a desculpa de segurança) e até a classe trabalhadora que não hesita em burlar regras e tirar proveito do próximo, ninguém escapa da metralhadora da série.

Com um texto inteligente, um ótimo elenco (liderado por Steve Yeun e Ali Wong) e uma direção que aposta no humor ácido, “Treta” não deixa de lado a melancolia. Por trás das traições e picuinhas que movem as desavenças infantis e mesquinhas entre Danny e Amy, estão dois adultos feridos que não sabem lidar com as decepções da vida.

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Desenvolvida em um crescendo de nervosismo e deixando claro desde o início que nada de bom pode surgir do conflito entre seus protagonistas (será?), “Treta” termina apontando que nem sempre estamos lutando pelo que realmente queremos. Há, no entanto, esperança, e ela vem da honestidade e do diálogo, como mostra o último (e melhor e mais alucinado) episódio da série.

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