Gêmeas – Mórbida Semelhança


Bênção ou maldição? A dádiva ou a obrigação e a necessidade ou o desejo de gerar filhos podem ser vistos pelos dois prismas, a depender das crenças de cada um. É a partir do tema que “Gêmeas – Mórbida Semelhança” constrói sua narrativa, tendo como foco duas irmãs gêmeas que encontram na ginecologia a principal forma de expressão profissional e de vida.

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Bem-sucedidas e renomadas, as duas trabalham em um hospital onde mulheres sofrem diariamente, perdendo a vida de bebês ou delas próprias. Elas querem então revolucionar o modo como as mulheres geram e dão a luz, seja por meio de novas técnicas de fertilização ou de partos mais humanizados. Para realizar o sonho, ambas precisam se vender ao sistema e convencer uma bilionária excêntrica e nada ética (a ótima Jennifer Ehle) a investir em uma clínica-maternidade gerenciada pelas duas, onde mulheres e crianças terão mais segurança.

Ainda que a premissa e o ponto de partida sejam os mesmos do livro que deu origem ao filme de David Cronenberg e à própria produção audiovisual lançada há 35 anos, a minissérie criada pela produtora e roteirista Alice Birch (“Normal People”, “Conversas entre Amigos” e “O Milagre”) segue um caminho próprio. A primeira subversão é a própria troca de gênero das protagonistas (uma ótima Rachel Weisz substituindo Jeremy Irons).


O comportamento e a relação de dependência entre Beverly e Elliott (os mesmos nomes dos personagens do livro/filme) permanecem, no entanto, no centro da trama. Uma gêmea, mais afeita a pesquisas, tem a postura mais atirada e sempre no ataque, enquanto a outra é mais discreta e realmente se importa com a saúde das mulheres. Mas o fato das duas serem mulheres, com uma delas, inclusive, tendo dificuldade para gerar um bebê, altera toda a perspectiva da produção.

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Com várias pequenas mudanças no desenrolar da história e uma abordagem ligeiramente menos radical do que a do longa de 1988, a minissérie prefere optar por uma trilha de suspense mais convencional, em especial em sua reta final. Não por acaso, a encenação muitas vezes lembra os suspenses hollywoodianos da década de 1990, em especial “Mulher Solteira Procura”, que também centra o foco na relação conturbada entre duas mulheres (vividas por Bridget Fonda e Jennifer Jason Leigh).

Mas a minissérie não deixa de provocar ao usar a fragilidade feminina diante da gravidez como motor para discutir tópicos extremamente atuais. Vemos a história pincelar, por exemplo, questões como relação de poder, relacionamentos abusivos, exploração capitalista do desejo feminino de parir e a própria ideia de mulher como mero receptáculo de uma criança.

Mergulhando a minissérie na cor vermelha, presente no sangue que não para de jorrar, nas vestimentas das médicas e nas paredes de um centro médico que praticamente transforma mulheres grávidas em manequins expostas em uma vitrine, “Gêmeas – Mórbida Semelhança” se apropria do body horror da produção de Cronenberg para incomodar por um viés mais realista. Saem os aparelhos ginecológicos que mais parecem objetos de tortura e entram closes e mais closes em vaginas ejaculando bebês ou cortes nas barrigas que viram verdadeiras poças de sangue.


A ironia e o sarcasmo permeiam todos os episódios, cortesia dos diálogos que não poupam a hipocrisia da atual sociedade. A primeira cena da minissérie, por exemplo, é genial e já estabelece as diferenças entre as protagonistas, duas mulheres que parecem se amar e se odiar na mesma medida e que veem a relação se abalar quando uma delas se apaixona por uma atriz (Britne Oldford assumindo o papel de Geneviève Bujold).

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No centro de tudo, uma Rachel Weisz em dose dupla entrega uma de suas melhores interpretações. Merecedora de, no mínimo, uma indicação ao Emmy, a atriz domina a tela e cria duas mulheres diferentes que cativam e repelem ao mesmo tempo ao criarem um vínculo de dependência doentio e bizarro. A minissérie ainda ganha pontos ao fugir do velho clichê da gêmea boa e gêmea má, com as duas rompendo com essa dicotomia simplista de vilã e heroína. Beverly e Elliott são muito mais do que uma Ruth e Raquel.

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