Obedecer. Essa é a função das mulheres em “The Handmaid’s Tale“. Se a ótima primeira temporada mostrava a maternidade como a grande vilã das mulheres em Gilead, sociedade distópica ditada pela religião e por machos, na segunda, fica mais claro que a própria condição feminina já é vista como pecaminosa. Ser mulher na série é difícil não apenas para as aias, mas também para as próprias esposas que seguem à risca os dogmas dessa sociedade autoritária e machista.
Esse é um dos pontos fortes da segunda temporada da bem-sucedida série da Hulu. A grande pergunta deixada pela primeira era quais seriam os próximos passos do programa, agora descolado da obra original de Margaret Atwood (a primeira temporada cobre todo o livro). Em 13 episódios, a resposta veio por meio da tentativa de humanização de personagens antes tidos como vilões, principalmente Serena, uma esposa simplesmente obcecada pela ideia de ter um filho.
Serena, vivida pela ótima Yvonne Strahovski, antes uma personagem mais chapada, ganha camadas e se torna bem mais interessante ao apresentar fraquezas e um background que justificam suas escolhas. Essa mudança de chave da personagem proporciona os melhores momentos dessa segunda temporada: as cenas em que a sororidade entre as mulheres, sejam esposas ou aias, assumem o primeiro plano e mostram que, em Gilead, ser mulher é por si só uma prisão. A relação entre Serena e June/Offred, antes baseada apenas na inveja e ódio, ganha contornos mais humanos e se sobressai em momentos de grande dramaturgia.
The Handmaid’s Tale: primeira temporada
Mas ainda que “The Handmaid’s Tale” tenha acertado nesse novo rumo que dá à trama de Atwood, a série teve que pagar um preço por essa liberdade. A principal delas foram as constantes críticas à violência gráfica presente nos novos episódios. A violência ideológica da primeira temporada permanece, mas agora banhada em um sangue tão vermelho quanto o uniforme das aias. Muita gente não curtiu, apesar da estratégia ter trazido mais suspense e tensão à história.
Outra mudança é que a série ampliou o seu escopo, deu voz a outros personagens e, com isso, deixou “apenas” de fazer um paralelo com o nosso mundo atual para explorar o universo desenhado por Margaret Atwood. Somos apresentados às colônias e a um dos personagens criadores da economia de Gilead, vemos tia Lydia chorar, uma jovem desafiar a religião de Gilead por causa de um amor e um vislumbre de como o mundo lá fora vê essa sociedade distópica que não hesita em matar para manter a ordem. Dessa forma, “The Handmaid’s Tale” manteve seu princípio corajoso e ousado e abriu novas frentes narrativas.
Infelizmente, no entanto, os produtores erraram em um dos principais motivos para o sucesso da primeira temporada, a construção de June/Offred. Elisabeth Moss continua o centro das atenções em uma atuação cheia de emoção e verdade, mas, diante das alterações do programa, o roteiro deixou a personagem em cima do muro, constantemente mudando de posição, de conformista à arrogante, de vítima à responsável por sua própria sorte. O cúmulo dessa indesição entre peitar de forma leviana seus algozes a aceitar o seu destino chega no final da temporada, quando ela toma uma decisão inesperada para o bem da continuidade da série, e não da personagem.
Agora a pergunta que fica não é mais sobre quais os rumos a série vai tomar sem o livro original como fonte e guia. Mas sim como os produtores vão livrar a trama de um vai e volta sem fim de fugir/não-fugir tendo June/Offred como foco e “objeto” de tortura. Mais do que aprisionada aos Waterfords, June/Offred (e, por tabela, a série) precisa se livrar de suas más escolhas e amarras narrativas.