Depois de uma primeira temporada genial e uma segunda que ficou pelo meio do caminho, a terceira parte de “The Handmaid’s Tale”, a série mais bem sucedida do streaming Hulu, deu a entender que os criadores e produtores do programa não sabem muito bem como continuar a adaptação da obra homônima de Margaret Atwood.
Explico: se a primeira temporada cobre todo o livro de Atwood, na segunda, o programa teve total liberdade para guiar os personagens, mas escolheu andar em círculos ao focar nas várias tentativas de June fugir de Gilead. Em seu final, porém, a atração toma um rumo implausível e joga a coerência no lixo pelo bem de sua própria sobrevivência.
Já no início da terceira temporada, a série parece apontar novos caminhos, deixando o maior cenário do programa para trás (a mansão dos Waterford) e libertando June de sua maior prisão, a “família” de Fred e Serena, dando a ela um novo comandante e nome (Ofjoseph).
Não demorou muito, no entanto, para a terceira temporada de “The Handmaid’s Tale” começar a se mostrar problemática em suas escolhas. A ligação entre June e Serena, um dos trunfos da segunda parte da série é deixada de lado e toda a evolução da Mrs Waterford é abandonada e justificada pela obsessão da personagem em ser mãe.
June também sofre mudanças e perde grande parte de seu carisma, ora se mostrando implacável e passando por cima de tudo e de todos para a realização de seus desejos, ora perdendo um pouco a sanidade ao olhar fixamente para a câmera (uma das marcas da personagem, usada aqui quase à exaustão).
Nesse processo, a atuação das duas atrizes (Elisabeth Moss e Yvonne Strahovski) acaba se tornando repetitiva, graças também a uma narrativa que parece nunca avançar e abandona sem muito apego figuras antes importantes para a trama (especialmente Nick e Emily, esquecidos na segunda metade da temporada).
Uma característica marcante das duas temporadas anteriores também é pouco usada nessa terceira. Os flashbacks que mostram como era a vida dos personagens antes de Gilead são escassos e pouco importantes, até mesmo o que mostra que a Tia Lydia já era uma pessoa com uma visão torta antes da transformação da sociedade nessa nova ditadura religiosa.
Depois de vários capítulos, no entanto, a série recupera um pouco as rédeas e a qualidade em seus episódios finais. Os roteiristas finalmente dão um propósito aos personagens e injetam vigor na já batida abordagem da resistência, transformando June em uma espécie de salvadora da pátria e jogando uma luz de esperança em uma atração marcada pela crueldade do homem (o sexo masculino mesmo). O season finale, por exemplo, é de uma beleza que fez falta aos outros episódios (ainda que a série continue sendo muito bem filmada).
Nesse vai e vem de qualidade, a série deixou um tanto a desejar e acumulou problemas ao longo de seus 13 novos episódios. A relação de June/Ofjoseph com o comandante Lawrence nunca é realmente desenvolvida (por que o criador daquela nova sociedade resolve ajudá-la? simplesmente por arrependimento?). A quase loucura da personagem é um crime em uma série de teor feminista (“Game of Thrones” fez a mesma bobagem ao dar poder a uma mulher e, em seguida, transformá-la em louca). E o pior dos erros: dentro daquela lógica do universo do programa, June/Offred/Ofjoseph já estaria pendurada no muro há muito tempo, mas a personagem acaba se safando de todas as encrencas sem maiores problemas.
Com muitos erros e alguns acertos, pelo menos a terceira temporada chegou ao fim propondo, mais uma vez, um novo caminho para a atração e reforçando que aquela ditadura religiosa destrói a vida de todos, inclusive daqueles que estão no poder. Resta saber se os criadores/produtores vão conseguir, finalmente, apresentar algo novo para o programa. A segunda temporada já prometia isso, mas a proposto ficou meio na intenção.