
Ainda que, às vezes, erre (caso do quase experimental “Ema” e da minissérie “Lisey’s Story”), Pablo Larrain é dono de um cinema visualmente interessante que foge de um registro mais naturalista enquanto abraça o formalismo. Depois de fazer sucesso no Chile e migrar para Hollywood, ele já havia demonstrado esse apego à estética em “Jackie”, uma espécie de primo do novo “Spencer”, já que ambos são quase reflexões filosóficas sobre a prisão da fama e das convenções disfarçadas de cinebiografias.
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Se “Jackie” centrava o foco nas reações de Jackie Kennedy na semana posterior à morte do marido, o presidente Kennedy, “Spencer” gira em torno de um fim de semana de Natal em que a princesa Diana precisa lidar com a família real, com uma das propriedades da realeza servindo como prisão. Sem a estrutura fragmentada do anterior, “Spencer” até engana como uma narrativa mais “convencional”, mas Larrain está menos preocupado em contar uma história e mais interessado em divagar sobre o estado mental de Diana nesses dias.
Lindamente filmado, com uma ótima trilha sonora de Jonny Greenwood (da banda Radiohead), uma fotografia dos deuses de Claire Mathon (do também belíssimo “Retrato de uma Jovem em Chamas“) e direção de arte e figurinos deslumbrantes, Larrain não poupa esforços para transformar o longa em um colírio audiovisual, deixando as imagens falaram por si só, sem um apego tradicional a personagens e diálogos.

Em meio a esse sonho que mais parece um pesadelo, o cineasta apresenta uma Diana presa a convenções e tradições de uma família que a vê como um fardo. Cercada de serviçais que mais parecem soldados cumprindo suas tarefas sem questionamentos, a personagem se vê isolada e acuada. Larrain, no entanto, não está interessado em retratar acontecimentos reais, e sim em criar uma versão romantizada e poética de Diana.
A estratégia funciona em partes, especialmente porque o roteiro opta por alguns caminhos duvidosos. O primeiro deles é retratar Diana como uma mulher frágil e quase à beira da loucura, uma inocente cercada de algozes. É uma visão um tanto ingênua e simplista, amplificada pelos diálogos por vezes cafonas e recheados de frases feitas.
Diante desse retrato de uma mulher quase desequilibrada, o roteiro ainda peca por exagerar na forma como Diana reage a certas tradições e protocolos. O que deveria ser mostrado como descontentamento soa quase como birra, com Diana chegando atrasada pela milésima vez e quebrando regras como uma menina mimada, o que, por vezes, mina a empatia do público em relação à personagem desse misto de fábula com filme de terror.

Em meio a acertos estéticos e equívocos narrativos, Kristen Stewart parece a escolha ideal para interpretar essa Diana fictícia, a atriz sempre quase enfezada em sua eterna cara de inadequação enquanto respira com um ar de deslocada, exatamente como a Diana que “Spencer” nos faz crer. Elogiada como nunca antes em sua carreira, a atriz se entrega à personagem e constrói um retrato corajoso e falho de uma mulher vista como infalível e perfeita.
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Apesar dos elogios e da coragem da atriz, em meio a um filme estranho que foge da fórmula tradicional de cinebiografias, é fácil ver Kristen Stewart esnobada pelo Oscar, uma premiação bem mais afeita ao convencional e a atuações naturalistas e/ou que buscam o mimetismo. Sem grandes cenas com arroubos dramáticos, gritos e gestos exagerados, a atriz, assim como Diana, é quase engolida pela suntuosidade de uma encenação que fica entre a beleza e o horror.
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