A Globo realmente tem se esforçado em criar conteúdos originais para o seu streaming, a Globoplay. A série “Desalma” segue a estratégia da emissora de explorar gêneros incomuns às produções nacionais, aqui, no caso, o terror, ampliando sua cartela de produções. A trama do programa gira em torno de bruxaria e vingança em uma cidade pequena colonizada por ucranianos no interior do sul do Brasil.
Indo e vindo no tempo, “Desalma” se divide em duas linhas temporais. Em 1988, um grupo de jovens se vê envolvido em uma trama de assassinato de uma garota, a filha da bruxa da cidade Brígida. Trinta anos depois, as famílias envolvidas no mistério são assombradas pelo passado, com direito a crianças possuídas, fenômenos sobrenaturais, histórias mitológicas, transmigração de alma, porcos que desaparecem e uma Cássia Kiss usando uma longa peruca de cabelos brancos.
A trama é boba e vai se desenvolvendo da forma mais previsível possível, mas o maior problema da série é, justamente, a inexperiência do audiovisual brasileiro em relação à encenação do gênero, algo que fica visível na tela. O resultado dessa mistura de elementos de horror é irregular, com atrizes experientes como Cássia Kiss, Cláudia Abreu e Maria Ribeiro patinando em diálogos constrangedores, com o elenco de apoio seguindo a mesma linha e caprichando nas atuações impostadas.
A encenação também é dura, às vezes marcada demais, não parecendo espontânea e fluída. Essa opção por uma austeridade que parece forçada dá a impressão de que os diretores e os produtores querem que o público realmente leve a trama a sério. Mas fica difícil, ainda mais porque a narrativa do passado e do presente é cheia de buracos, ora parecendo arrastada demais, ora com as coisas se desenvolvendo de forma apressada.
Os primeiros episódios, por exemplo, se perdem em detalhes da cultura e mitologia ucraniana que nada acrescentam à trama. A série insiste em citar a tragédia de Chernobyl algumas vezes sem nenhum propósito. Enquanto isso, outros detalhes da história são deixados de lado, com várias cenas que deveriam acontecer para tornar a narrativa mais clara simplesmente não acontecendo, com personagens apenas contando situações que deveriam ser mostradas ao espectador, ou imagens que estão lá só para causar impacto (como a cena em que uma garotinha fica na frente de uma TV à lá “Poltergeist”, sem nenhum sentido lógico no plot). Ao mesmo tempo, a série sofre com um certo didatismo, com alguns elementos da trama sendo repetidos exaustivamente ou explicados de forma preguiçosa e sem graça.
É possível, no entanto, perceber uma certa preocupação com a mise-en-scène, com imagens impactantes, como a cena dos porcos no rio, ou muito bem filmadas, como as da floresta de árvores altas e imponentes. Mas é pouco, principalmente, porque, para uma série de terror, “Desalma” pouco assusta. O horror fica apenas na intenção, na expressão de terror de alguns atores e na trilha sonora, que avisa sempre que algo deveria, supostamente, ser aterrorizante.
Ainda com todas essas falhas, a série tem seus méritos, amarrando praticamente todas as pontas soltas do roteiro no final da temporada e sabendo deixar possibilidades abertas para uma possível continuidade da história. O maior feito de “Desalma”, no entanto, é abrir a porta para que novas produções de terror sejam feitas para a tela da TV (o Canal Brasil já estreou a sua, a série “Noturnos”). Se nosso cinema brasileiro tem José Mojica Marins e o seu Zé do Caixão como ícones do terror e uma nova geração de cineastas explorando esse filão (Juliana Rojas e Marco Dutra, em “As Boas Maneiras”, e Gabriela Amaral Almeira, em “O Animal Cordial” e “A Sombra do Pai”, por exemplo), nossa telinha ainda sofre com poucas referências do gênero.
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