A Baleia

Fui ver “A Baleia” pronto para amar ou odiar o filme, afinal o longa é dirigido por Darren Aronofsky, um cineasta que não liga muito para concessões. Para mim, no entanto, a produção fica no meio do caminho, perdida entre a vontade de gerar empatia e a necessidade de chocar e causar horror a partir das limitações físicas do protagonista, um professor que sofre de obesidade mórbida e que está prestes a morrer.

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Tentando recuperar sua carreira, o ex-ídolo teen e candidato a astro Brendan Fraser (indicado ao Oscar de melhor ator) interpreta Charlie, que vive recluso em seu apartamento pequeno e escuro, quase um personagem a mais dessa adaptação de uma peça de teatro. Confinado nesse espaço e debilitado pela saúde, ele parece saber que está com os dias contados e deseja então se reconectar com a filha (Sadie Sink, de “Stranger Things“) que ele abandonou há oito anos para viver com um aluno.

Conhecido por ser um desses diretores não muito afeitos a sutilezas, Darren Aronofsky pega o fiapo de um roteiro que não tem medo dos clichês e o transforma em um filme que parece atirar para todos os lados, refletindo sobre gordofobia, homofobia, depressão, o sistema de saúde precário dos Estados Unidos, religião como forma de salvação e por aí vai.

De um lado, por exemplo, temos o melodrama sobre a relação conflituosa entre um pai e filha (algo que o diretor já fez melhor em “O Lutador”), de outro, uma produção claustrofóbica de terror que fetichiza o corpo de Charlie para despertar choque e pena, transformando o personagem quase em uma aberração.

Aronofsky parece também não confiar no próprio público, optando pelos recursos mais óbvios para reforçar seu ponto de vista, seja com uma excessiva trilha sonora para induzir o drama, seja diminuindo o tamanho da tela para martelar a ideia de claustrofobia. O diretor até deixa de lado suas características estéticas mais marcantes, como a edição hiperbólica e uma direção mais intrusiva, mas ele segue sua ideia de sempre incomodar.

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Com uma estrutura que, às vezes, lembra o anterior de Aronofsky (“mãe!”), com um personagem em uma situação-limite preso a um espaço recebendo, de bom grado ou não, pessoas que entram e saem a todo momento, a produção, no entanto, não consegue escapar de sua origem teatral, com algumas cenas que parecem demasiadamente marcadas.

Mas o maior problema de “A Baleia” é mesmo o roteiro mal desenvolvido e com relações mal amarradas, muitas vezes minando a credibilidade da trama. Nesse entra e sai de personagens (a amiga-enfermeira, a filha, o jovem que quer salvar o espírito de Charlie, o entregador de pizza) que batem à parte de Charlie, algumas situações soam forçadas, ainda que resultem em cenas de conflitos impactantes, como o reencontro de Charlie com a mãe de sua filha (a ótima Samantha Morton, que praticamente rouba o filme em uma cena, assim como em “Ela Disse”).

Resta ao filme o seu elenco esforçado. Apesar de ser o centro do longa e de estar realmente bem, Fraser parece soterrado por uma maquiagem que, às vezes, mais distrai do que contribui para o filme. Os olhos do ator, no entanto, são a porta de entrada para sua atuação e para a alma de um longa problemático. A própria construção do personagem, por exemplo, parece falha. Charlie é um homem bondoso e positivo que “perdeu o controle”, como ele mesmo diz, para a comida graças a uma tragédia, mas adota uma postura de autodestruição, mesmo sem, aparentemente, sentir pena de si mesmo (ele funcionaria muito melhor se seguisse os passos do niilista Nicholes Cage que quer apenas beber sem redenção até morrer em “Despedida em Las Vegas”).

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Além de Morton, a melhor atriz do longa é Hong Chau (“Watchmen”, “O Menu”), como a amiga-enfermeira, a única personagem que parece realmente estar sentindo alguma emoção espontânea e não sentimentos descritos em um roteiro sem muita profundidade. Funcionando em partes e errando em outras, pelo menos “A Baleia” não se esquiva do incômodo e da polêmica (a começar pelo título que induz ao preconceito, ainda que este ganhe uma justificativo do roteiro), ainda que isso, muitas vezes, custe a dignidade de seu protagonista.

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